sexta-feira, 18 de março de 2011

Rachel Sheherazade: o carnaval sob a ótica das falácias

Quem argumenta é a jornalista Rachel Sheherazade, e a crítica fez sucesso pelos youtubes afora. A lógica, se analisada, é quase na totalidade falaciosa. Vou comentar de trechos em trechos, explicando por que a argumentação é ruim.

É importante destacar que eu não sou muito fã de carnaval. Assisti alguns desfiles de escola de samba (e gostei muito mesmo), estive em alguns ensaios de escola de samba, vi um pouco do trabalho popular por trás da confecção de fantasias e do samba enredo. No entanto, não sou um fã de samba, não sei dançar, e geralmente passo o carnaval em casa. Geralmente não vejo pela TV também, não é o mesmo que ver ao vivo.

Rachel Sheherazade: Hoje é quarta-feira de fogo, mas eu não vejo a hora de chegar a quarta-feira de cinzas.

RS: Não, não é que eu seja inimiga do carnaval. Inclusive já brinquei muito: em clubes, nas prévias, nos blocos…. fui até à Olinda em plena terça-feira de carnaval… Portanto, vou falar com conhecimento de causa.

Eu não me acho um especialista no assunto. Não tenho como julgar o quanto ela conhece, mas de cara ela se apresenta como uma especialista, justificando com credenciais pífias.

RS: E, como um véu que se descortina, como uma máscara que cai, gostaria de revelar algumas verdades que encontrei por trás da fantasia do carnaval.

RS: A primeira delas: o brasileiro adora carnaval.

RS: Não acredito. Na paraíba, por exemplo, o maior bloco de arrasto disse ter registrado cerca de 400 mil foliões no desfile do ano passado. Mas, a população paraibana conta com mais de 3 milhões e 600 mil cidadãos.

RS: Portanto, a maioria da povo não foi para a rua ou por que não gosta de carnaval ou por que não se reconhece mais nessa festa dita popular.

Primeiro ela reduz o povo brasileiro ao da Paraíba, depois ela reduz o povo da Paraíba aos que se registraram no maior bloco de arrasto, e junto, ela reduz o carnaval ao maior bloco de arrasto.

Segundo ela, o brasileiro não gosta do carnaval, porque só 11% da população da Paraíba se registrou no principal bloco de arrasto de lá. Não se registrou então não gosta de carnaval. Precisa se registrar para ir para a rua? Não foi prá rua é porque não gosta? Não tem outra explicação? Vamos lá, 11% pode ser muito, descontados os doentes, as crianças, os idosos, os que se registraram em outros blocos e os que simplesmente não se registraram.

RS: Segunda falsa verdade: o carnaval é uma festa genuinamente brasileira.

RS: Não, não é. O carnaval, tal como o conhecemos, surgiu na Europa, durante a era vitoriana, e se espalhou pelo mundo afora, adaptando-se a outras culturas.

O fato histórico não me soa à verdade. A Época Vitoriana é um período de ouro associado à revolução industrial e influência inglesa (Séc XIX-XX). O Carnaval de Veneza, por exemplo, tem origens lá pelo século XVII, e o Mardi Gras nos EUA desde 1703 (pelo menos segundo a wikipedia). Eu li também em outros blogs, que a festa vem sendo adaptada desde muito antes da Época Vitoriana.

O carnaval brasileiro recebeu uma forte influência de tradições, religiões e ritmos africanos e indígenas. O o carnaval nordestino me dá a impressão de grande miscigenação entre os ritmos nordestinos. Acho que mais importante é que, por causa disso, o carnaval do Brasil não se assemelha a nenhum outro carnaval do mundo.

Eu não tinha a premissa como verdade, para classificá-la como falsa-verdade, no entanto o carnaval não é de fato uma festa genuinamente brasileira, ela recebeu muitas influências externas. Nisto ela está correta.

Nota: A transcrição que eu peguei pula da "segunda falsa verdade" para a "quarta"!? Se existe uma terceira tem que ver no video original.

RS: Quarta falsa verdade: É uma festa popular.

RS: Balela! O carnaval virou negócio – dos ricos. Que o digam os camarotes VIP, as festas privadas e os abadás caríssimos, chamados “passaportes da alegria”.

Não procede. Virou negócio dos ricos não deixa de ser festa popular. Pode ser os dois, um não exclui o outro.

RS: E quem não tem dinheiro para comprar aquele roupinha colorida não tem, também, o direito de ser feliz??? Tem não.

De novo não procede, pelo menos literalmente. A interpretação do que significa o "direto de ser feliz" é vaga, mas existe mais coisa no carnaval que ir em camarote VIP, festa privada e comprar abadá caríssimo.

Aliás festa privada é o termo mais estranho: Se uma escola de samba ensaia num galpão e deixa entrar só quem vai desfilar, mesmo o pessoal que não contribui com dinheiro, é festa privada. O cara não tem dinheiro para a roupa colorida e é feliz.

RS: E aqui, na Paraíba, onde se comemoram as prévias não é muito diferente. A maioria dos blocos vive às custas do poder público e nenhuma atração sobe em um trio elétrico para divertir o povo só por ser, o carnaval, uma festa democrática.

RS: Milhões de reais são pagos a artistas da terra e fora dela para garantir o circo a uma população miserável que não tem sequer o pão na mesa.

Segundo ela o circo é para divertir uma população miserável que não tem sequer o pão na mesa. Mas lá em cima ela diz que não, que os pobres "não tem o direito de ser feliz". Confuso, né? Ainda mais quando minha impressão é que se é na rua, diverte todo mundo: rico, pobre e miserável.

E já cantavam os Titãs: a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e água. Retirar o "circo" da parte da população miserável que gosta de carnaval e que não tem nem pão na mesa, não seria crueldade demais?

Essa mistureba contraditória de argumentos soltos é a principal falácia, mais confunde que argumenta e é muito difícil de desmontar para criticar.

RS: Muitas coisas, hoje, me revoltam no carnaval.

RS: Uma delas é ouvir a boa música ser calada à força por “hits” do momento como o “Melô da Mulher Maravilha”, e similares que eu nem ouso citar.

Eu não gosto desses hits do momento também. Aqui ela ganha a minha simpatia.

RS: Fico indignada quando vejo a quantidade de ambulâncias disponibilizadas num desfile de carnaval para atender aos bêbados de plantão e valentões que se metem em brigas e quebra quebra.

RS: Onde estão essas mesmas ambulâncias quando uma mãe de família precisa socorrer um filho doente? Quando um trabalhador está infartando? Quando um idoso no interior precisa se deslocar de cidade para se submeter a um exame?

O governo tem que providenciar saúde e atendimento para a população. Em qualquer concentração pública, podem acontecer acidentes, não limitados às pessoas que se embebedam e aos valentões que batem. O governo tem que tratar dos que apanham, dos que desmaiam, dos que passam mal e das vítimas de qualquer acidente.

Estas ambulâncias não desaparecem ou são desmontadas depois do carnaval. Elas ficam espalhadas, geralmente atendendo os casos que a jornalista descreveu. Quando não há concentração de pessoas num mesmo lugar, elas ficam de prontidão também. Se o necessitado estiver muito longe da ambulância, demora para ela chegar, não importa se ela é de um plano de saúde particular ou do governo.

Mas a revolta é de quê mesmo? De que os valentões e os bêbados tenham direito à saúde pública? Ou de que o número de ambulâncias é pequeno para atender à população quando ela não está toda no mesmo lugar (caso que não tem nada a ver com o carnaval)?

RS: Me revolto em ver que os policiais estão em peso nas festas para garantir a ordem durante o carnaval, e, no dia a dia, falta segurança para o cidadão de bem exercitar o direito de ir e vir.

Semelhante às ambulâncias, a revolta é que não há policiamento suficiente depois do carnaval? É uma revolta em relação ao governo, então, não ao carnaval. E o que o direito de ir e vir tem a ver com segurança?

RS: Mas o carnaval é uma festa maravilhosa! Dizem até que faz girar a economia. Que os pequenos comerciantes conseguem vender suas latinhas, seu churrasquinho….

RS: Se esses pais de família dependessem do carnaval para vender e viver, passariam o resto do ano à míngua.

RS: Carnaval só dá lucro para donos de cervejaria, para proprietários de trios elétricos e uns poucos artistas baianos. No mais, é só prejuízo.

Até onde eu vejo, por causa do carnaval, os comerciantes aumentem suas vendas. Aliás por causa do carnaval, Páscoa, Natal, Dia dos Namorados, Dia das Crianças... Ninguém depende exclusivamente do carnaval, embora haja um aumento de vendas por causa dele.

Mas a família não depender exclusivamente do carnaval, não quer dizer que ela não dependa em nada (pode depender por esses primeiros meses, ou para saldar o fim de ano).

No meio, ela reduz a microeconomia à latinhas e churrasquinhos (existem muito mais beneficiados do carnaval além dos ambulantes). Em seguida: se não gera grandes quantidades de lucro, dá prejuízo. Não é assim, as empresas lucram relativamente, se desse prejuízo, não tinha ninguém como ambulante, com loja de fantasia, buzina, confete ou serpentina.

RS: Alguém já parou para calcular o quanto o estado gasta para socorrer vítimas de acidentes causados por foliões embriagados? Quantos milhões são pagos em indenizações por morte ou invalidez decorrentes desses acidentes?

RS: Quanto o poder público desembolsa com os procedimentos de curetagem que muitas jovens se submetem depois de um carnaval sem proteção que gerou uma gravidez indesejada?

RS: Isso sem falar na quantidade de DST’s que são transmitidas durante a festa em que tudo é permitido!

A resposta é sim, o governo mantém estatísticas de todos estes itens. Existem campanhas justamente para reduzir estes números. Desconhecer o número não torna o número alto, não quer dizer que o número aumenta ano após ano. Não há argumentação ou verdades aqui, só dúvidas.

O governo tem trabalhado os temas de acidente por embriaguez, gravidez indesejada e DSTs como uma coisa mais ampla, que acontece no ano todo, e inclusive no carnaval. Se não houvesse carnaval, ainda haveria estes três problemas.

A minha impressão é que a premissa "no carnaval tudo é permitido", tem se tornado cada vez menos verdade. Hoje temos campanhas governamentais para dizer que nem tudo é permitido, e não são focadas no carnaval, mas no comportamento. O carnaval, é apenas uma das oportunidades que as pessoas tem de manter um comportamento de risco, e portanto, acho que as estatísticas aumentam nesse período.

Mas atribuir o comportamento de risco como um problema do carnaval é o mesmo que tapar o sol com a peneira. O problema é o mesmo carnaval ou não.

RS: Eu até acho que o carnaval já foi bom… Mas, isso foi nos tempos de outrora.

Ah sim, a grama do vizinho é mais verdinha. No passado as coisas eram melhores.

Descontadas as falácias, o que sobra? No fundo muito pouco: o carnaval não foi originado no Brasil, o "Melô da Mulher Maravilha" é ruim e o governo deveria aumentar investimentos com a saúde e com a segurança e parar de investir em microeconomia, cultura e turismo. E a crítica ao governo, mesmo se verdadeira, é baseada em impressões e nenhuma estatística. Que tipo de conhecimento de causa é este?

2 comentários:

Partido Pirata disse...

Novos ares na política brasileira

Estamos reorganizando o Partido Pirata

http://blogs.estadao.com.br/link/a-volta-dos-piratas/

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Rocio disse...

Muito interessante ler coisas como são você, afinal agora eu não tenho tempo para ler tudo, porque eu tenho que ir comprar uns óculos na uma otica brasil